VS:RHODES MAGAZINE [RM]: Como surgiu o tema “O Caiá”? E como o descreve?
JOSÉ ASSIS [VS]: No início dos anos 80, trabalhava nas canções do co-autor Rafael Clifton com vista à sua apresentação nas editoras discográficas de então. Acabámos por apresentá-las em três bares de Lisboa em trio e duo. O Clifton trouxe então uma estrutura musical ainda sem letra mas com um balanço do qual gostei; lembrei-me de umas expressões que o meu filho Caiá fazia na altura, reduzindo-as assim: “Oh pá, olá, oh pá, olá papá”.
O Clifton inicialmente não gostou, pois tinha uma ideia diferente – a de falar do romantismo da noite. Mesmo assim completei uma letra só sobre o Caiá, relatando os interesses e interações dele. Passados alguns anos, o Clifton mostrou-me a letra duma primeira estrofe, que no meu entender se prestava a uma “introdução” para o que eu tinha feito e assim ficou para mim: de uma fase inicial de constatação e queixa algo determinista, para a assunção da alegria e marotice implícita do Caiá. Juntei-lhe o refrão continuando a referência à “malandrice” do toque que os miúdos fazem a tudo que está à mão e, a um comentário de um seu tio-avô nascido em Alte. Ficou no ouvido até hoje!
RM: RM - Para além de músico, o José é musicoterapeuta, para si de que forma a música melhora a qualidade de vida das pessoas?
VS: O estímulo auditivo em geral e o musical diversificado em particular é muito importante na criação de estruturas neurológicas pré-natais. Mesmo após o nascimento ouçam-se as inflexões da voz maternal quando a brincar com os seus bebés, as canções de embalar e a importância de toda esta interação mãe/pai e bebé para o estabelecimento de laços afetivos. O processo de perceção auditiva cresce connosco, tornando-se cada vez mais complexo e, ajudando-nos a memorizar com música os nossos momentos especiais da vida. Acresce a capacidade neuro-organizativa do cérebro aliada a uma eventual imaginação criadora, que ajudada pela música cria imagens, situações, cenários, relações, aventuras. De forma mais neurofisiologicamente direta, a música – além de facilitar a lateralização cerebral com todos os benefícios para a nossa vida podendo-se intervir em crianças com dislexias, perturbações do espectro autista, défices de atenção e hiperatividade - pode também ajudar-nos a regular a tensão arterial e, só este ponto implica alterações no sistema cardiovascular, respiratório; pode unir pessoas por identificação de preferências ou só por partilha de cantar ou tocar um instrumento, ajudando-nos a focar a atenção no que se está a fazer e a prestar atenção ao outro, estando estes aspetos relacionados com a nossa capacidade de comunicação, definindo mais pormenorizadamente emoções, por exemplo. Do mesmo modo, no final da nossa vida física ou em situações de coma traumático ou induzido, a audição continua recetiva a estímulos, podendo a música ser utilizada na recuperação do coma, ou como agente paliativo em estados terminais.
RM: Que etapa enquanto musicoterapeuta o preenche mais: o uso de instrumentos, a utilização/domínio da voz ou a composição?
VS: Depende da pessoa ou pessoas a quem a sessão de musicoterapia é dirigida. O uso do instrumento voz é sempre muito importante, seja para quem tem o aparelho fonador em boas condições e, mais ainda para quem está em desenvolvimento ou para quem sofre ou sofreu alguma perturbação da fala e da linguagem. A experimentação dos instrumentos externos é sempre boa, caso o indivíduo que o faz, assim ache. O uso repetitivo do mesmo instrumento, ou a diversificação da escolha implicando variadas técnicas, das quais resultam diversas sonoridades – dependendo também do caso - poderá indicar o grau de importância. Já a composição resulta de se querer manifestar uma intenção mais estruturada, noutra etapa do trabalho. Todas elas podem preencher um(a) musicoterapeuta a caminho de uma fase seguinte.
RM: Qual é a maior fonte de inspiração quando compõe?
VS: A vida em todos os seus aspetos: o amor e as relações mais próximas, passando pelas impressões que a vida em sociedade me causa, até à imaginação com que possa ser beneficiado, face á minha capacidade de realizar essa inspiração.
RM: Que disco, concerto ou artista mudou a sua vida?
VS: A pessoa e grupo que mais moldaram a minha vida, terão sido a minha Mãe - professora de piano mesmo sem me ensinar - no seu estudo e serões musicais e, a minha família. A Amália e a “Canção do Mar”, os Platters e “Only You”, foram os artistas com as canções ligeiras editadas, de mais forte memória na infância. Mas os cânticos populares e os religiosos entraram muito cedo também, desde o “Vira da Nazaré” ao “Adeste Fideles” atribuído a D. João IV. Posteriormente os Duos Ouro Negro e Conchas. Um LP do Carlos do Carmo de fado canção dos anos 60, definido pela sobriedade nos arranjos. A Música Popular Brasileira; os Beatles em crescendo desde o início, a álbuns como “Rubber Soul”, “Revolver”, “Seargent Pepper’s“, “Abbey Road”, “White Album” e “Let It Be”; os Beach Boys culminando no “Pet Sounds”; os Ekseption, grupo Holandês de rock progressivo que fazia fusão entre a música erudita, free jazz e rock; um LP “Metamorphose” com os holandeses Thijs van Leer, Rogier van Otterloo, Chris Hinze e Louis van Dyke, também de fusão entre o barroco e o jazz, os Yes, Keith Jarrett. Quanto a um concerto, o primeiro foi o da Maysa Matarazzo acompanhada pelo Thilo’s Combo. De modos diferentes neste ou noutros concertos, parece-nos que o tempo pára, sentindo-nos a um tempo muito atraídos, mas com uma serenidade enorme.
JOSÉ ASSIS [VS]: No início dos anos 80, trabalhava nas canções do co-autor Rafael Clifton com vista à sua apresentação nas editoras discográficas de então. Acabámos por apresentá-las em três bares de Lisboa em trio e duo. O Clifton trouxe então uma estrutura musical ainda sem letra mas com um balanço do qual gostei; lembrei-me de umas expressões que o meu filho Caiá fazia na altura, reduzindo-as assim: “Oh pá, olá, oh pá, olá papá”.
O Clifton inicialmente não gostou, pois tinha uma ideia diferente – a de falar do romantismo da noite. Mesmo assim completei uma letra só sobre o Caiá, relatando os interesses e interações dele. Passados alguns anos, o Clifton mostrou-me a letra duma primeira estrofe, que no meu entender se prestava a uma “introdução” para o que eu tinha feito e assim ficou para mim: de uma fase inicial de constatação e queixa algo determinista, para a assunção da alegria e marotice implícita do Caiá. Juntei-lhe o refrão continuando a referência à “malandrice” do toque que os miúdos fazem a tudo que está à mão e, a um comentário de um seu tio-avô nascido em Alte. Ficou no ouvido até hoje!
RM: RM - Para além de músico, o José é musicoterapeuta, para si de que forma a música melhora a qualidade de vida das pessoas?
VS: O estímulo auditivo em geral e o musical diversificado em particular é muito importante na criação de estruturas neurológicas pré-natais. Mesmo após o nascimento ouçam-se as inflexões da voz maternal quando a brincar com os seus bebés, as canções de embalar e a importância de toda esta interação mãe/pai e bebé para o estabelecimento de laços afetivos. O processo de perceção auditiva cresce connosco, tornando-se cada vez mais complexo e, ajudando-nos a memorizar com música os nossos momentos especiais da vida. Acresce a capacidade neuro-organizativa do cérebro aliada a uma eventual imaginação criadora, que ajudada pela música cria imagens, situações, cenários, relações, aventuras. De forma mais neurofisiologicamente direta, a música – além de facilitar a lateralização cerebral com todos os benefícios para a nossa vida podendo-se intervir em crianças com dislexias, perturbações do espectro autista, défices de atenção e hiperatividade - pode também ajudar-nos a regular a tensão arterial e, só este ponto implica alterações no sistema cardiovascular, respiratório; pode unir pessoas por identificação de preferências ou só por partilha de cantar ou tocar um instrumento, ajudando-nos a focar a atenção no que se está a fazer e a prestar atenção ao outro, estando estes aspetos relacionados com a nossa capacidade de comunicação, definindo mais pormenorizadamente emoções, por exemplo. Do mesmo modo, no final da nossa vida física ou em situações de coma traumático ou induzido, a audição continua recetiva a estímulos, podendo a música ser utilizada na recuperação do coma, ou como agente paliativo em estados terminais.
RM: Que etapa enquanto musicoterapeuta o preenche mais: o uso de instrumentos, a utilização/domínio da voz ou a composição?
VS: Depende da pessoa ou pessoas a quem a sessão de musicoterapia é dirigida. O uso do instrumento voz é sempre muito importante, seja para quem tem o aparelho fonador em boas condições e, mais ainda para quem está em desenvolvimento ou para quem sofre ou sofreu alguma perturbação da fala e da linguagem. A experimentação dos instrumentos externos é sempre boa, caso o indivíduo que o faz, assim ache. O uso repetitivo do mesmo instrumento, ou a diversificação da escolha implicando variadas técnicas, das quais resultam diversas sonoridades – dependendo também do caso - poderá indicar o grau de importância. Já a composição resulta de se querer manifestar uma intenção mais estruturada, noutra etapa do trabalho. Todas elas podem preencher um(a) musicoterapeuta a caminho de uma fase seguinte.
RM: Qual é a maior fonte de inspiração quando compõe?
VS: A vida em todos os seus aspetos: o amor e as relações mais próximas, passando pelas impressões que a vida em sociedade me causa, até à imaginação com que possa ser beneficiado, face á minha capacidade de realizar essa inspiração.
RM: Que disco, concerto ou artista mudou a sua vida?
VS: A pessoa e grupo que mais moldaram a minha vida, terão sido a minha Mãe - professora de piano mesmo sem me ensinar - no seu estudo e serões musicais e, a minha família. A Amália e a “Canção do Mar”, os Platters e “Only You”, foram os artistas com as canções ligeiras editadas, de mais forte memória na infância. Mas os cânticos populares e os religiosos entraram muito cedo também, desde o “Vira da Nazaré” ao “Adeste Fideles” atribuído a D. João IV. Posteriormente os Duos Ouro Negro e Conchas. Um LP do Carlos do Carmo de fado canção dos anos 60, definido pela sobriedade nos arranjos. A Música Popular Brasileira; os Beatles em crescendo desde o início, a álbuns como “Rubber Soul”, “Revolver”, “Seargent Pepper’s“, “Abbey Road”, “White Album” e “Let It Be”; os Beach Boys culminando no “Pet Sounds”; os Ekseption, grupo Holandês de rock progressivo que fazia fusão entre a música erudita, free jazz e rock; um LP “Metamorphose” com os holandeses Thijs van Leer, Rogier van Otterloo, Chris Hinze e Louis van Dyke, também de fusão entre o barroco e o jazz, os Yes, Keith Jarrett. Quanto a um concerto, o primeiro foi o da Maysa Matarazzo acompanhada pelo Thilo’s Combo. De modos diferentes neste ou noutros concertos, parece-nos que o tempo pára, sentindo-nos a um tempo muito atraídos, mas com uma serenidade enorme.