Opinião
FUTEBOL
07/08/17
07/08/17
Hugo Sanches é especializado em saúde mental e psiquiatria e mestre em enfermagem de saúde mental e psiquiatria pela Escola Superior de Saúde de Leiria desde 2012. Para ele a luta continua no serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde de Castelo Branco.
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PrioridadesNeymar Júnior é uma marca registada. Cara e apetecível. Falar em Neymar é fácil e não necessita contextualização. Falar noutras coisas não. É difícil e temos sempre que explicar e quase sempre nos suplicam que seja simplificada e abreviada a nota e um encolher de ombros fica mesmo ao alcance de quem não tem assim tanto interesse em se preocupar com temas obrigatoriamente necessários. Por isso já nem vale a pena perder tempo. Acho eu.
O nosso país é um bom país. Provavelmente não somos um país titânico em nada mas somos um bom país. Entro num bar e oiço jovens de 30 anos falar em 222 Milhões e defender com fortes argumentos a importância do futebol e dos seus intervenientes. Depois constato que alguns deles estão desempregados, outros têm empregos precários e são poucos os que recebem 2 ordenados mínimos no final do mês. Chegaram ali a pé, no Yaris da mãe ou no Clio que estão a pagar ao banco… Nos smartphones de 500 euros para cima abrem páginas dos astros da bola e vislumbram os seus bólides de 500 mil euros. Olhos bem arregalados. Quase consigo ouvir um ou outro a dizer: “…este é o meu herói. O meu ídolo. O meu exemplo a seguir.” Dizem-no por outras palavras. Para mim, isto é preocupante. Num país em que o “Correio da Manhã”, o “Record” e “A Bola” são dos mais lidos, é preocupante constatar que as prioridades de reflexão colectiva são os valores das transferências da pré-época. Alguém sabe o que são 222 milhões de euros? Dizem que vêm do Qatar. Pelo caminho vão ignorando a miséria do Iémen (ali ao lado) e de todo o norte de África. Estes 222 milhões deverão rumar a Barcelona num voo às cegas para não ajudar milhões de seres humanos que não imaginam o que são 222 milhões de euros. O futebol insurgiu-se como prioridade. Por enquanto os incêndios acalmaram mas ainda se procuram culpados. A comunicação social parece sequiosa de culpas e as famílias políticas jogam bem esse jogo. Alguns de nós, felizmente, estamos sequiosos de soluções e estratégias para evitar repetições. Mas quais as verdadeiras prioridades de um povo? Quais? Não consigo perceber. Provavelmente porque sou limitado. A higiene mental dos cidadãos fica perturbada com estas histórias ao ponto de muitos indivíduos lutarem e agredirem-se mutuamente fora de campo por um argumento qualquer de um dirigente, de um político ou de um futebolista que nem conhecem… e nem entendem. Quando era miúdo também sofri e rejubilei com o futebol mas hoje em dia aborrece-me e comparo-o facilmente às telenovelas que me aborrecem desde a Tieta. Não me preocupa nada se perdemos ou ganhamos. Quem perde e ganha são os que estão a jogar. Eu, cá fora, por muito que fique feliz e contente com os feitos dos 11 magníficos, amanhã vou estar na mesma. No entanto, existem outras temáticas que me preocupam enquanto cidadão. Só lamento o facto de poucos terem tempo para elas. Besta ou bestial, os ídolos do desporto são cânones financeiros do luxo e da desmesura do consumo. De forma mais ou menos efémera, quase todos passam pela ara. Quinze minutinhos de fama bem gozados e alguns ainda vão a prolongamento e outros à finalíssima com direito a grandes penalidades. Apetece-me dar um pontapé de bicicleta e virar o sentido do jogo. Nesta vida extra futebol a tendência para o auto-golo é elevada. Estamos muitas vezes fora de jogo e passamos o tempo a suplicar ao senhor árbitro por cartões vermelhos para os nossos adversários. Tendemos a querer ganhar de forma facilitada. Simulamos muitas faltas e praguejamos desonradamente. De vez em quando, agredimos os nossos adversários quando ninguém está a ver. Devíamos apostar mais no tiquitaca e menos no tiquicaca. Querer vencer dignamente sem pressionar as arbitragens e sem acusações infantis deveria se prioritário. Jogar em equipa. Apostar numa boa condição física para evitar lesões e vencer sabendo que perder também será possível mas que seja sempre de forma honrada. Evitar empatar é essencial e nunca ficar a zero pois a vida segue sempre o seu rumo e por enquanto ainda falta marcar muitos golos. A história dos jogos colectivos remonta à necessidade social do indivíduo incorporar a ideia do maior benefício com o trabalho comunitário. Termino reconhecendo o meu péssimo sentido estético de metáfora e a minha imprecisão dormente de objecto. Mas não interessa. Vem aí mais uma Champions League! Desta vez não respeitei o adulado acordo ortográfico… cartão amarelo! Inconsequente. |